quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Aquarela (Estudos - 33) - Modelo Vivo


Senhor Frans (aquarela em papel fabriano)
(sessão de modelo vivo em 2012)


As sessões de modelo vivo têm sido imprescindíveis tanto para o desenvolvimento da técnica do desenho, quanto para o desenvolvimento da pintura em aquarela.

Ter um tempo limite para desenhar/pintar, para tentar captar a forma tridimensional na bidimensionalidade do papel, conseguir captar detalhes da anatomia, demonstrar a sensação de volume, representar as luzes e sombras, é um desafio constante.

Para quem ainda não participou de uma sessão de modelo vivo, elas costumam ser organizadas com tempos de duração para as poses. Geralmente, no começo da sessão, as poses variam de 1 a 2 minutos, um aquecimento para soltar o traço. Depois, o tempo vai aumentando, com poses de 5 minutos, de 10, até chegar a 2 ou 3 poses finais com duração maior, variando de 20 a 30 minutos.

Nas primeiras sessões de modelo vivo de que participei, as dificuldades foram imensas. Um dos primeiros desafios foi tentar controlar a ansiedade de querer fazer um desenho "correto" ou bem próximo da realidade que estava sendo observada no momento, e o resultado, claro, deixou bastante a desejar. O tempo das poses, a princípio, também causou uma certa insegurança, pelo fato de o desenho ficar incompleto na maior parte das tentativas. Mas, o importante é não se deixar intimidar pelas primeiras experiências, é vê-las como um desafio, como etapas que vão sendo solucionadas aos poucos - é perceber a necessidade de participar cada vez mais, de praticar e praticar e praticar para conseguir, quem sabe, alcançar resultados melhores (continuo tentando).


Aquarela em papel fabriano
(sessão de modelo vivo em 2012)

As primeiras sessões de que participei, já faz um tempinho, foram no Centro Cultural São Paulo (2008, 2009), observando tanto modelos masculinos quanto femininos, nus e vestidos, e cada situação foi uma nova oportunidade para ampliar o olhar.
(O CCSP continua oferecendo essa atividade e, para saber um pouco mais e conhecer a opinião de outros participantes das sessões, é só clicar aqui: Oficina de Desenho com Modelo Vivo).

Ao longo dessa jornada de estudos, participei também de sessões deste tipo nas aulas de aquarela e em outros ateliês. Nas aulas de aquarela, foi interessante explorar o desenho em lápis, seguido da pintura em aquarela (estudo acima) e, depois, a tentativa de expressar a pose direto no pincel .

Para estudar a figura humana, costumamos usar bastante as referências fotográficas, que são importantes, mas seguem uma linha diferente de estudo que exige outro olhar. Na fotografia, que já está em um formato bidimensional, a maneira de captar a imagem em um desenho ou uma pintura parece diferente, algumas soluções ficam mais perceptíveis pela própria bidimensionalidade do meio ser comum. Já nas sessões, a solução se torna um pouco mais complexa, pois é preciso converter o que é tridimensional em bidimensional, entender os espaços, os volumes, interpretar a luz.

Este ano participei de uma sessão a um preço bem acessível, organizada pelo Ateliê Contraponto. Nesta, resolvi "desapegar" de vez (rs): usei um bloco que vinha "economizando" (não sei por que fazemos isso, comprar o material e depois ficar com dó de usar). O papel do bloco é excelente e tentei captar as poses diretamente na aquarela, o que se torna um pouco difícil pelo fato de termos de conseguir controlar a umidade do papel de acordo com o tempo de pose trabalhado. Se deixamos o papel muito molhado e o tempo é curto, não vamos conseguir as sobreposições com as cores mais escuras para criar as sombras e volumes, por exemplo. Também se deixamos o papel seco demais, não conseguimos as fusões e as manchas tão típicas da aquarela. O tempo limitado ajuda a entender esse processo e contribui bastante também para alcançar uma simplificação, evitando que nos prendamos a muitos detalhes, o que, às vezes, pode endurecer um pouco o trabalho.


Aquarela em papel Arches
(sessão de modelo vivo no Ateliê Contraponto - 2014)


Aquarela (no Carnet d'aquarelle Charvin)
(sessão de modelo vivo no Ateliê Contraponto - 2014)


Também sobre este tema, há dois textos muito interessantes disponíveis no blog do Estúdio Marimbondo: Modelo-vivo, uma entrevista e no blog da Mazé Leite: Modelo Vivo no Ateliê Contraponto.

Alguns links de locais que oferecem sessões de modelo vivo (consultar a programação):
Centro Cultural São Paulo
Sesc São Paulo
Ateliê Contraponto

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Caçadores de obras-primas - Robert M. Edsel com Brett Witter




Apesar de gostar muito de História, quando se trata de leituras, acabo sempre deixando os livros do tema e as biografias um pouco para depois, principalmente se aparecerem outros de ficção, suspense, contos, poesias, na minha pilha infinita... Geralmente prefiro ler as ficções baseadas na história. Foi assim que descobri há um ano e meio, em um dos passeios pela livraria, este livro que trata dos Monuments Men. Ele estava ali, na ala de História, mas com uma chamada que trazia obras de Arte e Segunda Guerra Mundial juntas e isto fisgou minha atenção.

É uma obra organizada a partir de pesquisas sobre as vidas e depoimentos de homens e mulheres que vivenciaram a Segunda Guerra Mundial, com uma narrativa baseada em fatos históricos que aconteceram no período de 1943 a 1951. Segundo o autor:
"Tomei a liberdade de criar diálogos para manter a continuidade, mas em caso algum eles tratam de questões importantes e sempre estão baseados em extensa documentação. Em todos os momentos tentei não apenas compreender e comunicar os fatos, mas também as personalidades e perspectivas das pessoas envolvidas, assim como suas percepções dos acontecimentos no próprio instante em que ocorreram. Com a vantagem da visão em retrospectiva, estes podem ser muito diferentes de nossas opiniões; portanto, um dos grandes desafios da história. Qualquer erro de julgamento será de minha inteira responsabilidade.
Em sua essência The Monuments Men é uma história pessoal: uma história sobre pessoas." (Caçadores de obras primas, R. Edsel, p. 14-15).
O autor conseguiu organizar o trabalho deixando a leitura bastante fluida. E ainda tem como ponto forte, para mim, o fato de os capítulos estarem intercalados com documentos e cartas dessas pessoas que estiveram na arena da guerra e se esforçaram para conservar e recuperar obras de arte que estavam deixando seus países de origem. A edição da Rocco possui, logo no começo, fotos de integrantes do grupo, com pequenos resumos de suas biografias; também apresenta mapas, fotografias da época e uma boa bibliografia ao final para quem quiser se aprofundar mais no tema.

Várias passagens do livro acabaram me emocionando bastante ao resgatar o sofrimento causado pela guerra... Há trechos das cartas que as famílias trocavam entre si, tentando diminuir a distância, tentando manter a esperança. Na narrativa montada pelo autor, vamos conhecendo desde o momento em que o trabalho do MFAA (Monuments, Fine Arts, and Archives program) foi concebido e as dificuldades que seus integrantes enfrentaram com o reduzido número de homens que foi destacado para a gigantesca tarefa de mapear e tentar preservar monumentos e obras de arte durante a guerra. Há registros das privações, das batalhas, da destruição, das perdas, que todos vão passando, e também as histórias do contato com a população local, além dos vários relatos de solidariedade...

Lembrando apenas um dos trechos que me comoveram, entre vários outros, destaco aquele que trata da Madona de Gleize (capítulos 20 e 25) que descrevem como W. Hancock viu a cidade de La Gleize antes de uma batalha e como a encontrou depois.

É muito interessante acompanhar o contato dos soldados com a população local, e como o monuments man percebe que, diferentemente do olhar dele, de estrangeiro e interessado em arte que queria retirar a estátua da Catedral que estava ruindo, ali, naquela comunidade, a singela estátua não era uma obra de arte, mas sim um símbolo, uma força integrante da vida daquelas pessoas:
"Hancock virou-se para ver um homem baixo, de queixo quadrado, erguendo-se de sua cadeira.
- Seja razoável agora... - Monsieur George protestou, mas o homem recusava-se a ceder. Ela [a Madona de Gleize] havia sobrevivido à batalha, ele disse. Ela era tudo que restava de suas antigas vidas. Ela era a comunidade agora. Era a graça de Deus; a salvação deles. Quem era esse estrangeiro, esse... Americano, para lhes dizer o que tinham de fazer? Ela devia ficar onde sempre esteve, na catedral. Mesmo que a maior parte da catedral não existisse mais..
- Concordo com o tabelião - disse o pedreiro.
Uns poucos se ajeitaram nas cadeiras. Hancock olhou ao redor da sala para seus rostos desolados e ataduras visíveis. A Madona não era arte para eles, percebeu; ela representava suas vidas, sua comunidade, sua alma coletiva. Por que escondê-la em um porão, eles estavam pensando, quando nós precisamos dela agora mais do que nunca? Ela havia triunfado. Eles não conseguiam reconhecer, depois de tudo que tinham passado que o perigo podia voltar." (Caçadores de obras primas, R. Edsel, p. 180-181).
[depois a estátua acaba sendo retirada com a ajuda dos moradores]
Tudo isto leva também à reflexão sobre o que são as obras de arte, como são vistas e sentidas, qual o seu papel e seu efeito na vida das pessoas.

A Segunda Guerra Mundial é um tema vasto e sempre intrigante, e encontrar este livro foi um grande achado. Depois que a gente começa a ler, fica se indagando: como ainda não tinha visto nada sobre o trabalho desses homens e mulheres? Quando comecei a lê-lo, ainda não se falava muito do filme que estreia esta semana aqui em São Paulo, com direção do George Clooney e é baseado no trabalho dos Monuments Men.



Também no cinema, sobre essa questão das artes na Segunda Guerra, há um filme de 1964 - O Trem - com direção do John Frankenheimer, e Burt Lancaster e Jeanne Moreau no elenco. Trata-se de um filme muito bem feito, focando mais nas questões humanas e no trabalho da resistência francesa para impedir que o trem, carregado de obras de arte, deixasse o país (no livro Caçadores de Obras Primas há uma  passagem sobre o trem no capítulo 21, p. 151-159). Neste filme, ao final, também fica um grande ponto de interrogação - o que é mais importante afinal: as obras de arte perdidas ou as pessoas que se perderam, que morreram, tentando recuperá-las?




Demorei bastante para concluir esta leitura, porque não me consegui ficar apenas no material do livro. Cada obra de arte que era citada, cada cidade, cada fato histórico, acabou rendendo várias pesquisas na internet e em outros livros para conhecer mais, para ver as imagens, os lugares.

Outro detalhe importante é não deixar de manter o senso crítico bem alerta, lembrando que toda História tem várias facetas e não apenas uma. Este livro traz uma dessas facetas, contudo há várias outras a serem exploradas. Enfim, como já disse aqui outras vezes, gosto muito desses livros que fazem a gente querer mais!

Mais alguns dados da obra:

Título: Caçadores de obras-primas. Salvando a arte ocidental da pilhagem nazista.
Título Original: The monuments men: Allied heroes, Nazi thieves, and the greatest treasure hunt in history
Autor: Robert M. Edsel
Tradução de: Talita M. Rodrigues
Primeira publicação: 2009
Editora Rocco, Rio de Janeiro, 2011, 367p.
Site do Monuments Men: http://www.monumentsmen.com/