segunda-feira, 25 de agosto de 2008

O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá - Jorge Amado

O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá
Ilustração de Carybé

Jorge Amado escreveu esta história para o seu filho João Jorge, em 1948, em Paris, e a inicia com esta trovinha:

O mundo só vai prestar
para nele se viver
no dia em que a gente ver
um gato maltês casar
com uma alegre andorinha
saindo os dois a voar
o noivo e sua noivinha
dom gato e dona andorinha


(Trova e filosofia de Estevão da Escuna poeta popular
estabelecido
no Mercado das Sete Portas, na Bahia) (p.12)



Contudo, o texto só foi publicado em 1976 quando João descobriu os manuscritos, datilografou o texto e levou para Carybé (amigo da família) fazer as ilustrações. Quando Jorge Amado viu esses originais, resolveu publicar o livro.

É uma estória de amor, difícil, muito difícil de se concretizar... Como pode o Gato Malhado namorar a Andorinha Sinhá? E, além disso, como pode o Gato Malhado escapar da maledicência, dos preconceitos que os animais do parque nutrem por ele (com exceção da sábia coruja)?

Devo dizer, para ser exato, que o gato malhado não tomava conhecimento do mal que falavam dele. Se o sabia não se importava, mas é possível que nem soubesse que era tão malvisto, pois quase não conversava com ninguém, a não ser, em certas ocasiões, com a velha coruja. Aliás, a coruja, cujas opiniões eram muito respeitadas devido à sua idade, costumava dizer que o gato malhado não era tão mau assim, talvez tudo isso não passasse de incompreensão geral. Os demais ouviam, balançavam a cabeça, e, apesar do respeito que tinham à coruja, continuavam a evitar o gato malhado (p. 34)



Mas acontece... o gato se enamora e a andorinha também!

Em alguns momentos, ainda que enquadrado como livro infanto-juvenil, o texto parece mesmo voltado para os adultos. Me diverti bastante com trechos, como o abaixo, onde o autor satiriza os acadêmicos e críticos de carteirinha:


Foi assim, com esse diálogo um pouco idiota, que começou toda a história do gato malhado e da andorinha Sinhá. Em verdade a história, pelo menos no que se refere à andorinha, começara antes. Um capítulo inicial deveria ter feito referência a certos atos anteriores da andorinha. Como não posso mais escrevê-lo onde devido, dentro das boas regras da narrativa clássica, resta-me apenas suspender mais uma vez a ação e voltar atrás. É, sem dúvida, um método anárquico de contar uma história, eu reconheço. Mas o esquecimento pode ir por conta do transtorno que a chegada da primavera causa aos gatos e aos contadores de histórias. Ou melhor ainda, posso me afirmar um revolucionário da forma e da estrutura da narrativa, o que me dará de imediato o apoio da crítica universitária e das colunas especializadas de literatura. (p. 47, grifos nossos)

Imagino como deve ser gostosa a leitura desse livro se o adulto tiver ali ao seu lado uma criança (e vice-versa)... Aquela leitura prazerosa, compartilhada – a magia da visão infantil que vê a graça na história dos animais, e a diversão do adulto que, ali do lado, acaba vendo também a crítica e as ironias ao viver em sociedade.

Brincando com o texto, há ainda as belas ilustrações do Carybé. Esse artista naturalizado brasileiro e amigo da família Amado consegue enriquecer a obra com suas aquarelas.

E para completar esse passeio gostoso pelo parque do Gato Malhado, a edição da Companhia das Letrinhas tem um cuidado editorial primoroso: papel couché, versos de páginas coloridos, combinando as cores com os temas do texto. A edição conta ainda, ao final, com dois posfácios muito interessantes: o de Tatiana Belinky, comentando a história, e o do próprio João Jorge contando sobre o nascimento do livro (com fotos da família).

Um livrinho muito gracioso, cuja história já teve também várias adaptações para teatro.



Outros dados da obra:

Escritor: Jorge Amado (1912-2001)
Título: O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá
Ilustrações: Carybé (1911-1997), para mais informações e consulta a pinturas do artista, clique aqui
Companhia das Letrinhas, 2008, 127 p.

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Kusudama Morning Dew (Origami)


Eis um kusudama de nome poético: Morning Dew - Orvalho da Manhã.

Também da linha dos origamis modulares, essa peça se inicia com as dobras das pétalas das flores (o diagrama desse modelo pode ser consultado, clicando aqui).

A dobra das pétalas é simples e é preciso fazer 60 delas. Para este modelo, utilizei papéis japoneses coloridos de 7,5 X 7,5 cm e cola do tipo acid free:




Depois de dobradas todas as pétalas, é preciso montar as flores. Cada flor deverá ter 5 pétalas coladas:




Montadas as 12 flores, é só encaixá-las, colando-as também pelas pétalas.
E o resultado é este aqui:


quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Ventos e rios



Vento
Pastor de Nuvens

(Mário Quintana)*


Bilhete a Heráclito
Tudo deu certo, meu velho Heráclito,
porque eu sempre consigo
atravessar esse teu outro rio
com o meu eu eternamente outro...

(Mário Quintana)**


Poesias publicadas em:
(*) Da preguiça como método de trabalho
(**) A vaca e o hipogrifo
In: Mário Quintana: Poesia Completa
Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2005.

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

No tribunal de meu pai - Isaac Bashevis Singer (2)




Contando as estórias vividas por ele em sua infância na Polônia, Singer nos revela várias faces da cultura judaica, ao mesmo tempo em que nos apresenta cenas do cotidiano vivido na rua Krochmalna e dos tempos difíceis da Primeira Grande Guerra.

Confirmando a impressão do início da leitura deste livro (post de 10/07), o que certamente nos encanta é a forma como tudo é contado: o autor consegue nos envolver, nos transportar aos seus olhos de criança, ao mesmo tempo em que intercala pensamentos daquele que era então, ao escrever suas lembranças, ao voltar ao seu passado.

Dentre tantas passagens, como as dos capítulos Por que grasnavam os gansos, A lavadeira, Fome, apenas como um exemplo da prosa do autor, vou destacar a do capítulo Um dia de delícias, em que observamos as alegrias e as apreensões de Singer menino, ao burlar algumas regras familiares:


Pois imagine, leitor, a alegria indescritível que senti certa feita ao ganhar um rublo - ou seja, cem copeques! [...]


Eu sabia que se eu ficasse em casa meus pais dariam fim àquele rublo. [...]


Tomei o rumo da Krochmalna. Estava caminhando quando, de repente, senti um prego dentro da bota. A cada passo que eu dava, ele me cutucava. Como aquele prego fora parar ali justo naquela hora? Atravessei o portão de uma casa. Ali não havia cães nem porteiros. Tirei a bota. Em seu interior, varando a palmilha, despontava um prego pontiagudo. Forrei a bota com um pouco de papel e retomei a caminhada. Ai, como dói andar quando, a cada passo que dás, um prego te fere o pé! E como deve ser dolorido ter de deitar numa cama de pregos na Geena! Naquele dia eu cometera muitos pecados. Não tinha dito nenhuma bênção antes de comer os doces, não havia dado nem um groschen de meu dinheiro aos pobres. Só cuidara de minha gulodice.

A volta para casa levou aproximadamente duas horas. Enquanto caminhava, eu era assediado por todo tipo de pensamentos aterrorizadores. Uma coisa horrível talvez houvesse acontecido em casa. Talvez eu não estivesse mentindo quando disse ao cocheiro que era órfão, tendo perdido meus pais no exato instante que havia lhe dito aquilo. Talvez eu não tivesse mais pai, nem mãe, nem casa. Talvez meu rosto houvesse se modificado, como o do homem no livro de histórias, e quando eu chegasse em casa papai e mamãe não me reconheceriam. Tudo era possível!
(p. 136-137)



Além disso, o autor consegue colocar em em prática o que ele próprio teoriza, trazendo-nos o prazer de ler como quem ouve um "causo" e sempre espera pelo próximo:

O contador de histórias e poeta do nosso tempo - e de todas as épocas - deve entreter o espírito, em vez de apenas pregar ideais sociais ou políticos. Não há Paraíso possível para leitores entediados, nem tampouco desculpa aceitável para a literatura aborrecida, incapaz de intrigar o leitor, de animá-lo, dar-lhe a alegria e o refúgio que a verdadeira arte sempre propicia. (contracapa do livro)


Um mosaico de uma época passada,
Um retrato de comportamentos humanos sempre presentes.


Outros dados da obra:

Escritor: Isaac Bashevis Singer (1904-1991)
Mais informações sobre o autor no site do Prêmio Nobel e clicando aqui.
Título original: In my father's court
Publicado em inglês em 1966
Tradutor: Alexandre Hubner
Companhia das Letras, 2008, 356 p.