segunda-feira, 30 de junho de 2008

Lirismos

Nanquim e bico de pena


"[...]
Já posso amar as moscas como a mim mesmo.
Os silêncios me praticam.
De tarde um dom de latas velhas se atraca
em meu olho
Mas eu tenho predomínio dos lírios.
Plantas desejam a minha boca para crescer
por de cima.
Sou livre para o desfrute das aves.
[...]
Já enxergo o cheiro do sol. "

Manoel de Barros
In: Retrato do artista quando coisa
Ed. Record, p. 11

Cenas de Quintal


Num mesmo quintal,
é outono


e primavera

quarta-feira, 25 de junho de 2008

A famosa invasão dos ursos na Sicília - Dino Buzzati



Eis um belíssimo livro - em muitos aspectos. Trata-se de uma singela história que começa épica: os ursos descem das montanhas em busca de um melhor lugar para viver e, para o rei Leôncio, a busca por seu filho - o ursinho Tônio que fora raptado por dois caçadores. A partir daí, muitas batalhas se seguirão, em vários níveis.

Uma história que trata de buscas, de encontros, do contato de povos (ursos com os humanos, no caso, e o que isso faz com a natureza dos ursos), batalhas, perdas e ganhos, transformações. Na capa de proteção do livro que aparece na foto acima (clique na imagem para ampliar), já se pode ter uma idéia do que acontece - reparem na imagem do meio: vêem ali um urso vestido? Outro em uma charrete?

São tantos pontos a destacar, que acabei selecionando apenas alguns dentre inúmeros:

- O autor domina com maestria a escrita - há versos, há prosa; seriedade e leveza; ironia e bom humor:

Há mães que dizem: não consigo entender que prazer existe em contar para crianças histórias de fantasmas; depois elas se assustam e durante a noite começam a gritar porque ouvem o barulho de um rato. E talvez as mães tenham razão. Mas é preciso pensar em três coisas: antes de tudo que os fantasmas, admitindo que existam, nunca fizeram mal às crianças, nunca fizeram mal a ninguém; são os homens que gostam de sentir medo; os fantasmas ou os espíritos, se existem (e nos dias de hoje praticamente despareceram da face da terra) são como o vento, a chuva, as sombras das árvores, a voz do cuco ao anoitecer, coisas naturais e inocentes; e provavelmente são tristes por terem de ficar sós, sozinhos em velhas casas melancólicas e desabitadas; talvez, porque nunca os vêem, têm medo dos homens, e se nós demonstrássemos um pouco mais de confiança, poderiam tornar-se gentis ou quem sabe haviam de querer brincar, por exemplo, de esconde-esconde.

Segunda coisa a dizer: que a Rocca Demona não existe mais, não existe mais a cidade do Grão-Duque, não existem mais os ursos na Sicília e a história hoje anda tão distante que não há razão para se impressionar.

Terceiro: a história foi mesmo assim e não podemos mudá-la. (p. 35-36)

E aí o autor nos delicia (crianças e adultos) com o encontro dos ursos com os fantasmas.

- Classificado como infanto-juvenil (aliás gênero riquíssimo em vários sentidos, mas ainda não tão valorizado como deveria), o livro agrada certamente a todos os públicos e certamente traz referências a um momento histórico italiano. É como bem diz o ensaio de Francesca Lazzarato - "Um livro para todos" - que consta ao final dessa primorosa edição em papel couché e com ilustrações coloridas (Berlendis & Vertecchia Editores):
[...] E a sua esplêndida fábula tem quase o sabor de uma deliciosa, irônica e talvez involuntária provocação, se pensarmos que apareceu num dos momentos mais dramáticos da história italiana recente, numa Milão bombardeada, em que se disparava pelas ruas e os sem-teto acampavam na Galleria. (p.135)

- Ah! e que surpresa boa são as ilustrações feitas pelo próprio Buzzati. Bonitas, bonitas - gostei muito da que aparece na página 117 (quando o Rei Leôncio luta contra a terrível serpente do mar e, sem saber, também contra a perfídia do urso Salitre). E não só elas - as ilustrações por si mesmas -, mas a forma como o autor as faz conversar com o texto. Um exemplo:
[...] Desastre completo.

E então por que no desenho, que certamente corresponde à verdade, ao contrário se vêem os ursos chegando ao topo das muralhas e alguns até mesmo no telhado da fortaleza, ainda mais altos que os soldados do Grão-Duque? Por que no desenho parece que os ursos estejam a ponto de vencer? Por que então esta brincadeira? (p.59)

Pois é! o desenho realmente mostra outra coisa - e a explicação para isso vem logo depois.

Sem dúvida, uma bela obra literária. Assim, se levarmos em conta a observação abaixo:

Toda grande obra de arte precisa passar por este teste: ela utiliza as propriedades específicas do seu meio de expressão para ampliar seu significado? Proporciona uma experiência nova? Essa experiência é algo profundo, que vale uma segunda visita? E, por fim: ela possui aquela qualidade estética que, qualquer que seja sua essência, pode ser chamada de beleza? [...] (comentário da Revista Time que consta na contracapa do quadrinho Epiléptico, sobre o qual, em breve, escreveremos)

para A famosa invasão dos ursos na Sicília, um grande e sonoro Sim seria a resposta para todas as perguntas. Puro prazer literário e estético.

Mais alguns dados da obra:

Escritor: Dino Buzzati (1906-1972 - Itália)
Título original: La famosa invasione degli orsi in Sicilia
Publicado originalmente em 1945
Tradutor: Nilson Moulin
Editora: Berlendis & Vertecchia Editores, 2001, aprox. 159 p.

segunda-feira, 16 de junho de 2008

Aranha - Origami (Spider - John Montroll)





Esta aranha foi criada e diagramada pelo John Montroll - o modelo pode ser encontrado no livro Animal Origami for the enthusiast (sem tradução para o português - ver imagem da capa abaixo).

Apesar de estar em inglês, para quem não é tão iniciante em origami é possível dobrar apenas acompanhando as imagens. O diagrama tem 86 passos (97 se contarmos as dobras para o wing-fold do passo 66).

Usei, na primeira tentativa, papel espelho preto de 30X30cm. Contudo, a aranha das fotos acima é resultado da segunda tentativa, com tempo de execução de, mais ou menos, uma hora e meia. Também foi feita com o papel espelho preto só que agora de 26,5 X 26,5cm - resultando num modelo de 8cm de comprimento. Tentei ainda dobrar com um papel um pouco menor, mas não ficou bom - ficou muito difícil fazer as presas da aranha.

Um dica para quem for tentar dobrar: fique bem atento aos diagramas e respeite todas as marcas de linhas vale e montanha - estão bem indicadas e facilitam fazer os squash, reverse e petal folds. Abaixo uma visão superior e inferior desse modelo.



segunda-feira, 9 de junho de 2008

Momo e o Senhor do Tempo - Michael Ende



Em minhas andanças pelas livrarias da cidade, tenho visitado bastante a seção de infanto-juvenis. Ando com um gosto saudoso de leituras de arrancada, de fascinação e fantasia, de inocência, talvez também com uma lembrança recorrente das longas madrugadas passadas em claro devorando uma história especial, sem a preocupação da algema despertadora às 6h30 da manhã...

Há um tempo vinha me lembrando de Manu, a menina que sabia ouvir. Tempos idos, esse livrinho de capa dura azul ilustrada, foi lido e relido, e relido. Era uma edição do antigo Círculo do Livro, que um dia foi emprestado e não voltou mais...

Então, outro dia, numa dessas andanças literárias, dei com o título Momo e o Senhor do Tempo me observando. Peguei o livro na mão e – grata surpresa – era a mesma história, com tradução diferente, inclusive do título. Lógico que ele veio aqui para casa comigo. A edição agora é da Martins Fontes e está bem cuidada – papel especial, macio ao toque, em tom bege e com letras marrons – muito agradável aos olhos.

Mas o melhor de tudo, foi reviver aquela aventura traçada pelo Michael Ende (desse excelente autor, já fizemos um breve comentário aqui sobre A História sem fim). Estória de delicadezas, de descuidos, de amizade, do poder de ouvir e de se deixar ouvir, do valor do tempo.
Momo apareceu um dia e soube ouvir:

Então será que Momo sabia fazer alguma coisa para deixar as pessoas sempre de bom humor? Será que ela sabia, por exemplo, cantar bem: Ou tocar algum instrumento? [...]

Não, também não era isso. Será que ela sabia fazer mágicas? Ou conhecia alguma fórmula secreta para fazer as pessoas se esquecerem de suas preocupações? Ou sabia ler as mãos ou prever o futuro de alguma outra maneira?

Nada disso.

O que Momo sabia fazer melhor do que ninguém era ouvir. Muitos leitores devem estar achando que isso não é nada de mais, que qualquer um sabe ouvir.

Mas é engano. Muito pouca gente sabe ouvir de verdade. E o jeito de Momo ouvir e entender era muito especial.

Momo ouvia de tal modo que as idéias acertadas acabavam surgindo na cabeça de alguém que estivesse meio desorientado. Não é que ela dissesse ou perguntasse alguma coisa que levasse a pessoa a pensar de determinada maneira. A menina só ficava ali sentada, ouvindo com atenção e simpatia. Ao mesmo tempo fitava a outra pessoa com seus grandes olhos negros, e nela surgiam pensamentos que nunca tivera antes, como se lhe tivessem sido encravados por aquele olhar. [...]
Quando alguém achava que sua vida não tinha sentido, acreditando-se um fracassado, apenas um ser entre milhões, sem qualquer importância e tão fácil de ser substituído como um prato quebrado, ia procurar a menina. Então, à medida que contava suas desventuras, a pessoa ia percebendo que, fosse ela o que fosse, era uma pessoa única no mundo inteiro, e por isso mesmo era importante para o mundo, por ser do seu próprio jeito. (p.13)


Isso fez da nossa menina uma pessoa perigosa para aqueles que queriam um bem precioso das pessoas – seu tempo. Os homens de cinza que, maldosos, fizeram todos acreditarem que deviam poupar” tempo:
A realidade, entretanto, era muito diferente. De fato, os poupadores de tempo vestiam-se melhor do que as pessoas que moravam por perto do velho anfiteatro. Ganhavam mais dinheiro e, assim, podiam gastar mais. Mas tinham a fisionomia mal-humorada, cansada ou amargurada e o olhar hostil. [...] Não tinham ninguém que os ouvisse de modo a torná-los lúcidos, conciliadores ou felizes. Mas, ainda que tivessem acesso a uma pessoa assim, era pouco provável
que a procurassem, a não ser que o assunto pudesse ser resolvido em menos de cinco minutos – senão achariam que era perda de tempo. Do ponto de vista dos poupadores, mesmo suas horas de folga precisavam ser aproveitadas ao máximo, fornecendo-lhes o mais depressa possível o máximo de diversão e laser.

Assim, já não podiam comemorar direito os feriados, nem os alegres nem os sérios. Sonhar era quase um crime. Mas o que menos toleravam era o silêncio. Quando estava tudo quieto, ficavam apavorados, pois percebiam, na verdade, o que estava acontecendo com suas vidas. Por isso, sempre que sentiam a ameaça do silêncio, faziam barulho. Não era um barulho alegre, como se ouve num recreio de crianças, era um barulho irritado, agressivo, que se tornava cada dia mais alto na grande cidade. (p.66, grifos nossos)


O livro vai contar as aventuras, alegrias, sofrimentos e também a coragem de Momo para enfrentar os devoradores de tempo e poder libertar não só seus amigos mas todas as pessoas da prisão a que se submeteram sem perceber. Uma forte crítica ao nosso modo de vida “moderno”, “urbano” e veloz. O que estamos mesmo vivendo, fazendo com o nosso tempo?


Mais alguns dados da obra:
Escritor: Michael Ende (1929-1995)
Título original: Momo
Publicado originalmente em 1973
Tradutora: Monica Stahel
Editora: Martins Fontes, 2002, 264p.

sexta-feira, 6 de junho de 2008

Pássaro

Se daqui te olho,
um pensamento
- inevitável -
quem realmente entre as grades está?


terça-feira, 3 de junho de 2008

Ratos - Origami


Os dois ratos da imagem foram dobrados a partir do diagrama do modelo criado pelo Eric Joisel. Usei, no rato branco, papel manteiga de 30X30cm - o resultado fica interessante, mas o papel vai ficando difícil de dobrar no final, devido à sua gramatura. Já o rato marrom foi dobrado com um papel de presente, também de 30X30cm, só que um pouco mais maleável e mais fino. Nessa segunda tentativa, as dobras ficaram mais fáceis.

Vale conhecer o site do Eric Joisel - os modelos são interessantíssimos. E, para quem sabe inglês, experimente também o vídeo que se encontra na página principal do site.

Tenho procurado dobrar modelos que vão se mostrando um pouco mais complexos. A idéia é chegar ao Dragão do Satoshi Kamiya (o Ancient Dragon)... ainda vai demorar um pouco, mas espero mostrá-lo para vocês aqui, algum dia desses!