Incômodo foi o sentimento que surgiu nos primeiros capítulos do livro de Casares. E não foi uma sensação que passou depois. No desenrolar da trama, acabamos percebendo que o livro parece ter sido estruturado de maneira a criar esta sensação, entre tantas outras. Fazer pensar na passagem do tempo, no envelhecimento.
Acompanhamos a narrativa das vivências e pensamentos de Isidro Vidal, um senhor de quase 60 anos, que vive com o filho. Os idosos do lugar estão passando por dificuldades devido a um movimento que acontece de forma estranha. É a Guerra do Porco. Os jovens estão se rebelando contra os velhos, por motivos difusos que, por vezes, acabam dividindo os próprios jovens.
As dúvidas e medos que rondam Dom Isidro e seus amigos, que têm de passar por situações tantas vezes vexatórias, também nos afligem. Há idosos desaparecidos, mortos, feridos... e muitos tentando viver em meio a um medo generalizado...
"(...) Dessas lembranças Vidal passou a outras, dos últimos dias de seu pai. Lembrava-se dele, tão próximo e já tão fora do alcance, no medo e na dor da morte. Cada qual está em si mesmo e nada pode fazer pelo próximo. Vidal sentiu uma desolada certeza sobre a inutilidade de tudo. O que foi aquele afã de falar - pura vaidade - que lhes havia dado naquela noite? Entre eles, sabiam de antemão o que um e outro iam dizer. Pensou que falar assim no velório de um amigo era uma ofensa repugnante e que agora ele continuava falando. Parecia que tinha sido ontem que levavam uma existência despreocupada; de repente, a própria condição da vida tinha se tornado intolerável. Deu vontade de fugir. (...)" (p. 107)Em formato de "diário", há algumas marcas temporais que indicam que a trama se passa em pouco mais de uma semana: de 23 de junho aos primeiros dias de julho. Contudo a sensação da leitura, tão intensa, é a de que o tempo é outro, mais longo, tempo trazido das lembranças, do passado e das vivências daquele momento.
Esse ponto me intrigou tanto que despertou o interesse de fazer uma segunda leitura (quem sabe uma terceira também?) somente para atentar para essa questão do tempo...
A narrativa é impecável. Casares, esse mestre argentino da escrita, nos atinge com aquela força típica das grandes obras literárias. Suas palavras ficam ecoando na mente muito e muito tempo depois de fecharmos o livro.
Para saber um pouco mais sobre Bioy e sua obra, não deixe de assistir a entrevista de 1998 (em espanhol), disponível no youtube, clicando aqui.
Mais alguns dados da obra:
Autor: Adolfo Bioy Casares (1914-1999 - Buenos Aires, Argentina)
Título original: Diario de la guerra del cerdo
Tradução: José Geraldo Couto
Edição: São Paulo, Cosac Naify, 2010, 208 p., 4 ils.
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