terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Contos de lugares distantes - Shaun Tan




Muitas pessoas leem os livros com ilustrações como se as imagens não tivessem tanta importância para a história que está sendo contada. Na escola (pelo menos quando estive por lá, o que já faz um tempinho rs), somos preparados desde bem pequenos para ler o texto: primeiro as letras, depois as palavras, as frases, o texto todo e, então, tentar progredir para captar os significados, deixar a imaginação à solta – é um grande estudo que leva anos e segue pela vida toda. Mas fico com a impressão de que a mesma atenção não é dada às artes visuais, às imagens, às ilustrações. 

Será que não deveria haver um espaço também para estudos nesse sentido? Por que não discutir as formas, as cores, as linhas, tentar analisar por que uma imagem tem esta ou aquela composição, por que esta fotografia foi escolhida para uma matéria de jornal e não aquela, que carga de significado está por trás disso?

Quando lemos o excelente Contos de Lugares Distantes, não temos como nos fixar apenas ao texto. O livro foi concebido para ser lido em conjunto texto + imagem. As imagens não podem ser vistas sem atenção - se isso for feito, a compreensão do significado ficará prejudicada. Como consta em texto sobre o autor no final do livro (p. 100), para Shaun Tan: “As ilustrações são o principal ‘texto’ de seus livros”. Daí que é difícil olhar para as imagens apenas para dizer “que bonito”. Claro, isto também e mais - são lindas as imagens, intrigantes, mas é preciso atentar para o fato de que elas estão lá como parte da tessitura, entranhadas no que se quer contar.

Nestes tempos de pressa, de ansiedade, de correria, os contos do Shaun Tan me fazem desacelerar, ler com calma, vendo com atenção, degustando, como se aprecia um bom vinho (ou uma boa cerveja gelada, se estiver um calor absurdo como o que anda fazendo este verão).

São vários contos com diferentes concepções que tratam de eventos que, se acontecessem, tornariam o nosso dia menos óbvio ou, ao menos, nos fariam parar para refletir.

Em Eric, um dos meus contos preferidos, por exemplo, depois do título aparece uma ilustração com o Eric e, na sequência, o texto começa assim:
"alguns anos atrás, um estudante de intercâmbio veio morar conosco. Achávamos muito difícil pronunciar seu nome corretamente, mas ele não se importava. Dizia para chamá-lo simplesmente de 'Eric'.” (p.8).
As imagens carregam sentido, causando um estranhamento - o Eric é realmente diferente do que poderíamos esperar de um estudante de intercâmbio. O conto me fez pensar sobre o convívio com o estrangeiro (com o estranho): o quanto realmente sabemos do outro, como vemos o diferente, como lidamos com ele. E daquela sensação que fica de que, talvez, pudéssemos ter feito melhor - sensação reforçada pela delicada imagem que encerra o texto.

Em outro conto, Chuva ao longe, o texto está dentro das imagens, nos pequenos fragmentos recortados. Nos pedaços de poemas que alguém sempre se arriscou a escrever, mas que ficou esquecido, perdido, escondido, por aí. O interessante é acompanhar o conto para saber o que pode acontecer com esses poemas.

Em História do Vovô, as imagens carregam metáforas sobre o ritual (?!) que precedeu  o casamento do avô e que ele está contando para os netos - do que ele precisou passar para chegar à união. Nesse conto, além das imagens-metáforas de cada estágio pelo qual o casal teve de passar, as cores também têm um papel fundamental.

Parar para observar cada imagem prestando atenção à arte é um dos pontos altos da leitura - o Shaun Tan mistura (e domina) várias técnicas em suas ilustrações – tem acrílica, guache, grafite, óleo; tudo com traço e estilo marcantes. 

Por isso, gosto tanto deste livro e recomendo a leitura. Porque ele nos causa estranhamento, tem um quê de surreal que desperta a imaginação e muitas reflexões. Da primeira vez, acabei de ler os contos com um sorriso e um baita ponto de interrogação. Será que entendi tudo que estava lá? E o bom foi descobrir que não! Ótimo - assim posso voltar ao livro (esta já é a terceira vez), sempre descobrindo mais alguma coisa que não tinha visto antes. E não é isso mesmo que devem fazer as grandes obras?


Quarta capa do livro, na excelente edição da Cosac Naify,
 com texto do Neil Gaiman (muito bom!)


Mais alguns dados da obra:

Título original: Tales from Outer Suburbia
Autor e ilustrador: Shaun Tan (1974 - )
Tradução: Érico Assis (O Érico também comentou sobre este livro no Blog da CosacNaify)
São Paulo: Cosac Naify, 2012, 104p., 49 ils.

P.S.: às vezes, o livro também aparece classificado como “história em quadrinhos”. Estranho... Não me parece que esta seja uma boa classificação, mas também acho que o livro não se enquadraria muito bem em nenhuma outra. Contos, como diz o próprio título, talvez..., um livro de instantâneos de vida.

P.S.2: Um pouco mais sobre o Shaun Tan. The Evolution of an Idea (em 3 partes, com Neil Gaiman e Eddie Campbell). Aqui a primeira parte:




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