segunda-feira, 9 de junho de 2008

Momo e o Senhor do Tempo - Michael Ende



Em minhas andanças pelas livrarias da cidade, tenho visitado bastante a seção de infanto-juvenis. Ando com um gosto saudoso de leituras de arrancada, de fascinação e fantasia, de inocência, talvez também com uma lembrança recorrente das longas madrugadas passadas em claro devorando uma história especial, sem a preocupação da algema despertadora às 6h30 da manhã...

Há um tempo vinha me lembrando de Manu, a menina que sabia ouvir. Tempos idos, esse livrinho de capa dura azul ilustrada, foi lido e relido, e relido. Era uma edição do antigo Círculo do Livro, que um dia foi emprestado e não voltou mais...

Então, outro dia, numa dessas andanças literárias, dei com o título Momo e o Senhor do Tempo me observando. Peguei o livro na mão e – grata surpresa – era a mesma história, com tradução diferente, inclusive do título. Lógico que ele veio aqui para casa comigo. A edição agora é da Martins Fontes e está bem cuidada – papel especial, macio ao toque, em tom bege e com letras marrons – muito agradável aos olhos.

Mas o melhor de tudo, foi reviver aquela aventura traçada pelo Michael Ende (desse excelente autor, já fizemos um breve comentário aqui sobre A História sem fim). Estória de delicadezas, de descuidos, de amizade, do poder de ouvir e de se deixar ouvir, do valor do tempo.
Momo apareceu um dia e soube ouvir:

Então será que Momo sabia fazer alguma coisa para deixar as pessoas sempre de bom humor? Será que ela sabia, por exemplo, cantar bem: Ou tocar algum instrumento? [...]

Não, também não era isso. Será que ela sabia fazer mágicas? Ou conhecia alguma fórmula secreta para fazer as pessoas se esquecerem de suas preocupações? Ou sabia ler as mãos ou prever o futuro de alguma outra maneira?

Nada disso.

O que Momo sabia fazer melhor do que ninguém era ouvir. Muitos leitores devem estar achando que isso não é nada de mais, que qualquer um sabe ouvir.

Mas é engano. Muito pouca gente sabe ouvir de verdade. E o jeito de Momo ouvir e entender era muito especial.

Momo ouvia de tal modo que as idéias acertadas acabavam surgindo na cabeça de alguém que estivesse meio desorientado. Não é que ela dissesse ou perguntasse alguma coisa que levasse a pessoa a pensar de determinada maneira. A menina só ficava ali sentada, ouvindo com atenção e simpatia. Ao mesmo tempo fitava a outra pessoa com seus grandes olhos negros, e nela surgiam pensamentos que nunca tivera antes, como se lhe tivessem sido encravados por aquele olhar. [...]
Quando alguém achava que sua vida não tinha sentido, acreditando-se um fracassado, apenas um ser entre milhões, sem qualquer importância e tão fácil de ser substituído como um prato quebrado, ia procurar a menina. Então, à medida que contava suas desventuras, a pessoa ia percebendo que, fosse ela o que fosse, era uma pessoa única no mundo inteiro, e por isso mesmo era importante para o mundo, por ser do seu próprio jeito. (p.13)


Isso fez da nossa menina uma pessoa perigosa para aqueles que queriam um bem precioso das pessoas – seu tempo. Os homens de cinza que, maldosos, fizeram todos acreditarem que deviam poupar” tempo:
A realidade, entretanto, era muito diferente. De fato, os poupadores de tempo vestiam-se melhor do que as pessoas que moravam por perto do velho anfiteatro. Ganhavam mais dinheiro e, assim, podiam gastar mais. Mas tinham a fisionomia mal-humorada, cansada ou amargurada e o olhar hostil. [...] Não tinham ninguém que os ouvisse de modo a torná-los lúcidos, conciliadores ou felizes. Mas, ainda que tivessem acesso a uma pessoa assim, era pouco provável
que a procurassem, a não ser que o assunto pudesse ser resolvido em menos de cinco minutos – senão achariam que era perda de tempo. Do ponto de vista dos poupadores, mesmo suas horas de folga precisavam ser aproveitadas ao máximo, fornecendo-lhes o mais depressa possível o máximo de diversão e laser.

Assim, já não podiam comemorar direito os feriados, nem os alegres nem os sérios. Sonhar era quase um crime. Mas o que menos toleravam era o silêncio. Quando estava tudo quieto, ficavam apavorados, pois percebiam, na verdade, o que estava acontecendo com suas vidas. Por isso, sempre que sentiam a ameaça do silêncio, faziam barulho. Não era um barulho alegre, como se ouve num recreio de crianças, era um barulho irritado, agressivo, que se tornava cada dia mais alto na grande cidade. (p.66, grifos nossos)


O livro vai contar as aventuras, alegrias, sofrimentos e também a coragem de Momo para enfrentar os devoradores de tempo e poder libertar não só seus amigos mas todas as pessoas da prisão a que se submeteram sem perceber. Uma forte crítica ao nosso modo de vida “moderno”, “urbano” e veloz. O que estamos mesmo vivendo, fazendo com o nosso tempo?


Mais alguns dados da obra:
Escritor: Michael Ende (1929-1995)
Título original: Momo
Publicado originalmente em 1973
Tradutora: Monica Stahel
Editora: Martins Fontes, 2002, 264p.

2 comentários:

Dieter Mandarin disse...

Também quero gastar tempo.

Patrícia C. disse...

É, Dieter...
Nem me fale... viver o tempo!
Um abração!