Jorge Amado escreveu esta história para o seu filho João Jorge, em 1948, em Paris, e a inicia com esta trovinha:
O mundo só vai prestar
para nele se viver
no dia em que a gente verum gato maltês casar
com uma alegre andorinha
saindo os dois a voaro noivo e sua noivinha
dom gato e dona andorinha(Trova e filosofia de Estevão da Escuna poeta popular
estabelecido no Mercado das Sete Portas, na Bahia) (p.12)
Contudo, o texto só foi publicado em 1976 quando João descobriu os manuscritos, datilografou o texto e levou para Carybé (amigo da família) fazer as ilustrações. Quando Jorge Amado viu esses originais, resolveu publicar o livro.
É uma estória de amor, difícil, muito difícil de se concretizar... Como pode o Gato Malhado namorar a Andorinha Sinhá? E, além disso, como pode o Gato Malhado escapar da maledicência, dos preconceitos que os animais do parque nutrem por ele (com exceção da sábia coruja)?
Devo dizer, para ser exato, que o gato malhado não tomava conhecimento do mal que falavam dele. Se o sabia não se importava, mas é possível que nem soubesse que era tão malvisto, pois quase não conversava com ninguém, a não ser, em certas ocasiões, com a velha coruja. Aliás, a coruja, cujas opiniões eram muito respeitadas devido à sua idade, costumava dizer que o gato malhado não era tão mau assim, talvez tudo isso não passasse de incompreensão geral. Os demais ouviam, balançavam a cabeça, e, apesar do respeito que tinham à coruja, continuavam a evitar o gato malhado (p. 34)
Mas acontece... o gato se enamora e a andorinha também!
Em alguns momentos, ainda que enquadrado como livro infanto-juvenil, o texto parece mesmo voltado para os adultos. Me diverti bastante com trechos, como o abaixo, onde o autor satiriza os acadêmicos e críticos de carteirinha:
Foi assim, com esse diálogo um pouco idiota, que começou toda a história do gato malhado e da andorinha Sinhá. Em verdade a história, pelo menos no que se refere à andorinha, começara antes. Um capítulo inicial deveria ter feito referência a certos atos anteriores da andorinha. Como não posso mais escrevê-lo onde devido, dentro das boas regras da narrativa clássica, resta-me apenas suspender mais uma vez a ação e voltar atrás. É, sem dúvida, um método anárquico de contar uma história, eu reconheço. Mas o esquecimento pode ir por conta do transtorno que a chegada da primavera causa aos gatos e aos contadores de histórias. Ou melhor ainda, posso me afirmar um revolucionário da forma e da estrutura da narrativa, o que me dará de imediato o apoio da crítica universitária e das colunas especializadas de literatura. (p. 47, grifos nossos)
Imagino como deve ser gostosa a leitura desse livro se o adulto tiver ali ao seu lado uma criança (e vice-versa)... Aquela leitura prazerosa, compartilhada – a magia da visão infantil que vê a graça na história dos animais, e a diversão do adulto que, ali do lado, acaba vendo também a crítica e as ironias ao viver em sociedade.
Brincando com o texto, há ainda as belas ilustrações do Carybé. Esse artista naturalizado brasileiro e amigo da família Amado consegue enriquecer a obra com suas aquarelas.
E para completar esse passeio gostoso pelo parque do Gato Malhado, a edição da Companhia das Letrinhas tem um cuidado editorial primoroso: papel couché, versos de páginas coloridos, combinando as cores com os temas do texto. A edição conta ainda, ao final, com dois posfácios muito interessantes: o de Tatiana Belinky, comentando a história, e o do próprio João Jorge contando sobre o nascimento do livro (com fotos da família).
Um livrinho muito gracioso, cuja história já teve também várias adaptações para teatro.
Outros dados da obra:
Escritor: Jorge Amado (1912-2001)
Título: O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá
Ilustrações: Carybé (1911-1997), para mais informações e consulta a pinturas do artista, clique aqui
Companhia das Letrinhas, 2008, 127 p.
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