quinta-feira, 17 de julho de 2008

quinta-feira, 10 de julho de 2008

No tribunal de meu pai - Isaac Bashevis Singer (1)

Para comentar esse livro que estou lendo de Isaac B. Singer, vou contar primeiro de onde veio a vontade de conhecer a obra desse escritor, dentre o mundão de literatura boa que ainda há para ler nesta vida.

Em um dos fóruns da internet sobre leitura, alguém comentou sobre o excelente discurso do escritor na ocasião do recebimento do prêmio Nobel de Literatura. Com assuntos de literatura, dada a dica, não é preciso muito para o bicho-curiosidade dar a sua mordida. Alguns toques nas teclas e lá estávamos nós navegando pela rede, vendo as imagens e ouvindo os sons do discurso de 1978. Um discurso realmente memorável – quanta lucidez e bom humor (tentei traduzir o texto em francês que aparece no vídeo, e depois completar ouvindo novamente o trecho em inglês - segue depois das imagens do Youtube):




E. - “Li recentemente que Sholem Ash criticou a sua obra dizendo que não era humanista, que não era moral e não contribuía para melhorar a humanidade. Como o senhor reagiu? Qual o seu papel como escritor?”
Isaac B. Singer: - “Talvez ele tenha razão, quem sabe?”

Estocolmo 1978

“Vossa Majestade, Senhoras e Senhores, as pessoas me perguntam com freqüência por que escrevo em uma língua que está morrendo. Eu gostaria de explicar em poucas palavras.

Primeiro, gosto de escrever histórias de fantasmas, e nada cai melhor para um fantasma do que uma língua que está morrendo.

Segundo, eu acredito na Ressurreição, estou certo de que o Messias vai chegar em breve... Milhões de cadáveres que falavam iídiche sairão então de suas tumbas e a primeira pergunta deles será: “Há algum livro novo para ler em iídiche?”

Eu não esperava receber o Prêmio Nobel, e quando cheguei em minha casa para o café da manhã, vi muita gente esperando com suas câmeras por ali, repórteres...
Todos eles me fizeram a mesma pergunta:
“O senhor está surpreso? Está feliz?”

Como eu não queria discutir sobre o que é a felicidade...
respondi que sim, que estava surpreso, que estava feliz... e isso durou dez ou quinze minutos, depois acalmou.

Alguns minutos mais tarde, outro repórter veio me dizer:
“O senhor está surpreso? Está feliz?”
E respondi:
“Quanto tempo um homem pode ficar surpreso? Quanto tempo um homem pode ficar feliz? Eu fiquei surpreso, fiquei feliz...
E sou o mesmo tipo pobre* que sempre fui.”

(* no áudio em inglês, o escritor usou uma palavra que não me pareceu nem inglês nem francês – nesse caso, a legenda em francês serviu de guia para a tradução, mas não fiquei muito contente com essa solução.)
E sobre o livro No tribunal de meu pai? Escolhi começar por este (ainda estou ali nas primeiras páginas) pois trata-se de um livro de memórias e, como gostei do escritor, quis saber um pouquinho mais sobre ele por ele mesmo, antes de adentrar nos seus romances como Satã em Gorai e Breve Sexta-feira que também já estão na fila de leituras.

A maneira como ele conta as histórias que se passam no tribunal rabínico que seu pai presidia é muito boa – lembra aqueles papos gostosos de contadores de causo, que a gente não se cansa de ouvir.

(continua aqui)

terça-feira, 8 de julho de 2008

De repente, nas profundezas do bosque - Amós Oz


Os animais, um dia, decidiram partir do vale, ficar longe dos homens...

E como conseguem esses homens viver agora ouvindo apenas os sons de suas próprias vozes, de seus próprios passos? Onde o canto dos pássaros, o zumbido dos insetos, o companheirismo dos cachorros e gatos? E por que os adultos não querem falar disso com as crianças, que já não conseguem saber se os animais existem ou se são apenas lendas?

Essas perguntas agitam esse excelente livro de Amós Oz. O clima todo da história é permeado de suspense e causa um estranho desconforto que nos faz pensar nossa relação com a natureza e com o mundo que nos rodeia.

Como olhamos para aqueles que, como a profa. Emanuela, como Almon, como Nimi, Mati e Maia acreditam que o mistério deva ser descoberto, que buscam sua relação com a natureza, que buscam respostas? Por que as discriminações, as gozações, se o seu pensamento, o seu modo de agir é um pouco diferente do considerado "normal"?

Um trechinho para dar o gostinho da prosa desse escritor israelense:


Além de Almon, o pescador, a quem ninguém dava ouvidos porque todos debochavam dele, não havia ali em toda a aldeia alguém que ensinasse as crianças que a realidade não é apenas o que o olho vê e não somente o que o ouvido escuta e o que a mão pode tocar, mas também o que se esconde do olho e do toque dos dedos e se revela às vezes, só por um momento, para quem procura com os olhos do espírito e para quem sabe ficar atento e ouvir com os ouvidos da alma e tocar com os dedos do pensamento. Mas quem aqui afinal queria dar atenção a Almon? Ele era um homem velho, falador e quase cego, que sempre ficava discutindo com seu medonho espantalho. (p. 52).



Mais uma leitura de muito prazer e reflexão.

Outros dados da obra:

Escritor: Amós Oz (nascido em Jerusalém, 1939. Esteve na Festa Literária Internacional de Paraty - FLIP em 2007. Um trechinho do que foi discutido na mesa da qual fez parte pode ser visto no site da FLIP, clicando aqui)

Título original: Pit'om Beomek Haiaar
Publicado originalmente em 2005
Tradutor do hebraico: Tova Sender
Editora: Companhia das Letras, 2007, 141 p.

quarta-feira, 2 de julho de 2008

Entusiasmos

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Não sei como isso se passa com vocês, mas vira e mexe tenho uns arroubos de entusiasmo com assuntos que me são queridos. No momento, vou me aventurando pelo mundo da literatura infanto-juvenil - garimpando aqui e ali, descobrindo a história desse modo de escrever, a riqueza gráfica das obras, a graça e a perícia dos ilustradores e escritores.

Pois bem, todo esse prelúdio para contar que hoje, esgaravatando pela net, me deparei com algo surpreendente! O Museu da Pessoa! Como só agora, meio ao acaso (que delícia é a surpresa), descobri esse site tão interessante? Nem mesmo sei, mas o entusiasmo é grande - a idéia é primorosa e o site de muito bom gosto.

Vale muito conhecer, principalmente para quem gosta de causos, de leituras, de histórias contadas pelas próprias pessoas - ver a pessoa contando a sua própria história, ouvir sua voz, ver suas expressões. Tentando passar um pouquinho da alegria dessa descoberta, experimentem esse link lá do Museu - Voando com guarda-chuvas (só para começar!).

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segunda-feira, 30 de junho de 2008

Lirismos

Nanquim e bico de pena


"[...]
Já posso amar as moscas como a mim mesmo.
Os silêncios me praticam.
De tarde um dom de latas velhas se atraca
em meu olho
Mas eu tenho predomínio dos lírios.
Plantas desejam a minha boca para crescer
por de cima.
Sou livre para o desfrute das aves.
[...]
Já enxergo o cheiro do sol. "

Manoel de Barros
In: Retrato do artista quando coisa
Ed. Record, p. 11

Cenas de Quintal


Num mesmo quintal,
é outono


e primavera

quarta-feira, 25 de junho de 2008

A famosa invasão dos ursos na Sicília - Dino Buzzati



Eis um belíssimo livro - em muitos aspectos. Trata-se de uma singela história que começa épica: os ursos descem das montanhas em busca de um melhor lugar para viver e, para o rei Leôncio, a busca por seu filho - o ursinho Tônio que fora raptado por dois caçadores. A partir daí, muitas batalhas se seguirão, em vários níveis.

Uma história que trata de buscas, de encontros, do contato de povos (ursos com os humanos, no caso, e o que isso faz com a natureza dos ursos), batalhas, perdas e ganhos, transformações. Na capa de proteção do livro que aparece na foto acima (clique na imagem para ampliar), já se pode ter uma idéia do que acontece - reparem na imagem do meio: vêem ali um urso vestido? Outro em uma charrete?

São tantos pontos a destacar, que acabei selecionando apenas alguns dentre inúmeros:

- O autor domina com maestria a escrita - há versos, há prosa; seriedade e leveza; ironia e bom humor:

Há mães que dizem: não consigo entender que prazer existe em contar para crianças histórias de fantasmas; depois elas se assustam e durante a noite começam a gritar porque ouvem o barulho de um rato. E talvez as mães tenham razão. Mas é preciso pensar em três coisas: antes de tudo que os fantasmas, admitindo que existam, nunca fizeram mal às crianças, nunca fizeram mal a ninguém; são os homens que gostam de sentir medo; os fantasmas ou os espíritos, se existem (e nos dias de hoje praticamente despareceram da face da terra) são como o vento, a chuva, as sombras das árvores, a voz do cuco ao anoitecer, coisas naturais e inocentes; e provavelmente são tristes por terem de ficar sós, sozinhos em velhas casas melancólicas e desabitadas; talvez, porque nunca os vêem, têm medo dos homens, e se nós demonstrássemos um pouco mais de confiança, poderiam tornar-se gentis ou quem sabe haviam de querer brincar, por exemplo, de esconde-esconde.

Segunda coisa a dizer: que a Rocca Demona não existe mais, não existe mais a cidade do Grão-Duque, não existem mais os ursos na Sicília e a história hoje anda tão distante que não há razão para se impressionar.

Terceiro: a história foi mesmo assim e não podemos mudá-la. (p. 35-36)

E aí o autor nos delicia (crianças e adultos) com o encontro dos ursos com os fantasmas.

- Classificado como infanto-juvenil (aliás gênero riquíssimo em vários sentidos, mas ainda não tão valorizado como deveria), o livro agrada certamente a todos os públicos e certamente traz referências a um momento histórico italiano. É como bem diz o ensaio de Francesca Lazzarato - "Um livro para todos" - que consta ao final dessa primorosa edição em papel couché e com ilustrações coloridas (Berlendis & Vertecchia Editores):
[...] E a sua esplêndida fábula tem quase o sabor de uma deliciosa, irônica e talvez involuntária provocação, se pensarmos que apareceu num dos momentos mais dramáticos da história italiana recente, numa Milão bombardeada, em que se disparava pelas ruas e os sem-teto acampavam na Galleria. (p.135)

- Ah! e que surpresa boa são as ilustrações feitas pelo próprio Buzzati. Bonitas, bonitas - gostei muito da que aparece na página 117 (quando o Rei Leôncio luta contra a terrível serpente do mar e, sem saber, também contra a perfídia do urso Salitre). E não só elas - as ilustrações por si mesmas -, mas a forma como o autor as faz conversar com o texto. Um exemplo:
[...] Desastre completo.

E então por que no desenho, que certamente corresponde à verdade, ao contrário se vêem os ursos chegando ao topo das muralhas e alguns até mesmo no telhado da fortaleza, ainda mais altos que os soldados do Grão-Duque? Por que no desenho parece que os ursos estejam a ponto de vencer? Por que então esta brincadeira? (p.59)

Pois é! o desenho realmente mostra outra coisa - e a explicação para isso vem logo depois.

Sem dúvida, uma bela obra literária. Assim, se levarmos em conta a observação abaixo:

Toda grande obra de arte precisa passar por este teste: ela utiliza as propriedades específicas do seu meio de expressão para ampliar seu significado? Proporciona uma experiência nova? Essa experiência é algo profundo, que vale uma segunda visita? E, por fim: ela possui aquela qualidade estética que, qualquer que seja sua essência, pode ser chamada de beleza? [...] (comentário da Revista Time que consta na contracapa do quadrinho Epiléptico, sobre o qual, em breve, escreveremos)

para A famosa invasão dos ursos na Sicília, um grande e sonoro Sim seria a resposta para todas as perguntas. Puro prazer literário e estético.

Mais alguns dados da obra:

Escritor: Dino Buzzati (1906-1972 - Itália)
Título original: La famosa invasione degli orsi in Sicilia
Publicado originalmente em 1945
Tradutor: Nilson Moulin
Editora: Berlendis & Vertecchia Editores, 2001, aprox. 159 p.